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O TIRO DESPORTIVO BRASILEIRO SEMPRE TERÁ SEU ESPAÇO NO PÓDIO

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Em 1920 Guilherme Paraense conquistou para o Brasil a primeira medalha de ouro em uma Olimpíada. O feito se deu em Antuérpia e a modalidade esportiva, o tiro. Na ocasião, o Brasil era governado por Epitácio Pessoa, por coincidência nordestino, ministro do STF, sua vitória foi um revés à política do café com leite (Minas e São Paulo) e durante seu mandato deu-se a fundação do Partido Comunista Brasileiro. Ele não apoiou o tiro esportivo – que chegou à Olimpíada às próprias custas -, mas aquele desporto existia, era praticado e, chegando da Europa, ainda ganhou um forte abraço do Presidente.

Em 1947 foi fundada no Brasil a primeira entidade de âmbito nacional regulamentadora do tiro esportivo, chamada Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo (em 1999 passaria a se chamar Confederação Brasileira de Tiro Esportivo – CBTE), mas essa celebração poderia retroagir a 05 de setembro de 1906 quando foi criada a Confederação do Tiro Brasileiro, ou ainda a 10 de março de 1899 quando na cidade de Rio Grande/RS foi fundado o Tiro Nacional. Mais recente, pois já em 1992, foi fundada a Confederação Brasileira de Tiro Prático com o propósito de congregar os desportistas de tiro dinâmico, com modalidades específicas e distintas daquelas praticadas sob a CBTE. Nem Campos Sales, republicano e liberal; nem Rodrigues Alves, conservador, antiabolicionista, oligarca, mas a favor das vacinas; nem Eurico Gaspar Dutra, militar de partido social-democrata e trabalhista em cujo mandato apenas dois jogos foram prejudicados: os de azar e o do Brasil contra Uruguai na final da Copa do Mundo; nem Fernando Collor, que deixou os atletas sem dinheiro para comprar a chuteira; nem Fernando Henrique Cardoso, em cujo mandato foi editada a Lei 9.437, que estabelecia condições para o registro e porte de armas de fogo, mas quase quebrou o comércio especializado por ter sido forçado a ficar meio ano sem poder operar; nenhum deles foi decisivo para o progresso do esporte de tiro ao alvo no Brasil tampouco foram perniciosos. Quando muito, tanto a Lei 9.437/97 e a Lei 10.826/2003 (e aqui já chegamos no primeiro mandato de Lula como Presidente da República) apenas limitavam-se a lembrar que o atirador desportivo é problema do Exército e ali fomos, como muita satisfação, depositados na Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Comando Logístico.

Em 2005 o Governo Lula teve a boa ideia de criar o Bolsa Atleta, contribuição financeira escalonada para quem se dedicava às modalidades esportivas por ele amparada, dentre as quais encontrava-se o tiro. Porém, ser o país do futebol – e apenas do futebol masculino – nos lembra que a coisa não é fácil desde Guilherme Paraense. Daí mais uma vez o Exército Brasileiro, onde já estava depositado nosso destino formal, passou a se ofertar como celeiro de estrelas. Ou acham que foi o Bolsa Atleta que alçou Felipe Wu?

O atual Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, por estratégia política alinhada ao seu entorno, trouxe à lume aquele grupo de desportistas que sempre existiu esquecido e sem incomodar há mais de um século (como são os judocas, os jogadores de futebol de salão, os nadadores… sabiam que existe a Seleção Brasileira de Rugby?), lacrando-os nos noticiários como fato novo parido em 2018. Como um vídeo que viraliza no Youtube após ser curtido por uma estrela das mídias sociais, as entidades desportivas legalmente autorizadas pelo Exército Brasileiro passaram a receber um maior número de adeptos, alguns para conhecerem e realmente ingressarem no esporte, outros por pura e simples curiosidade, como quem abre um nude que viralizou, porém percebe que não gosta muito da coisa.

O feito de Jair Messias Bolsonaro junto ao tiro desportivo foi lembrar e falar que ele existe e, em revés político a isto, alas de ideologia a ele adversa passaram a levantar muitos pontos, como se polêmicos fossem, com o objetivo de demonizar o esporte com armas de fogo ao ponto de apregoarem como medida primordial do próximo governo o seu sufocamento. “Nos últimos quatro anos aumentou muito o número de CACs atirando pelas ruas e ferindo pessoas”, “os CACs estão agora portando armas de grosso calibre pra cima e pra baixo indiscriminadamente”, “os CACs estão podendo adquirir um número muito grande de armas”, “é preciso recolher essas armas”, “é preciso recadastrar os clubes de tiro”, dizem.

O fato é que o tiro desportivo sempre existiu e continuará existindo no Brasil, seja esquivando-se pela direita ou pela esquerda. É da essência da natureza humana lançar um objeto à frente com o objetivo de atingir um alvo pré-determinado e isso remonta ao início do Mesolítico. A arma de fogo e seu uso em um esporte nada mais é do que uma evolução disso. Isso é tão certo quanto dizer que uma minoria barulhenta se torna conceito majoritário ante o silêncio de uma imensa maioria que está nada mais do que cuidando de sua vida. Os atiradores desportivos são pessoas normais: homens, mulheres, professores, médicos, engenheiros, policiais, filósofos, agrônomos, empresários, sociólogos, republicanos, democratas, liberais, progressistas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais, negros, brancos, pardos, gordos, magros, feios, bonitos (como Tarquínio, lá de Santarém, no Estado do Pará). Entre eles apenas não serão encontrados desocupados ou loucos, pois as regras que definem o esporte exigem o exercício de atividade laboral e um atestado psicológico. E mais: é um dos poucos esportes nacionais – talvez o único! – fiscalizado pelo Exército Brasileiro.

Eis o grande desafio da equipe de transição do governo eleito ao tratar dessa pauta da regulação do armamento e tiro e que está sob coordenação do jurista e ex-Governador do Maranhão Flávio Dino. Desmistificar os temas, o que é imprescindível ao se definir uma norma a ser positivada, pois uma lei se impõe, mas uma bandeira ideológica não; identificar, interpretar e compreender a atividade de forma estrita, pois somos esportistas e o tiro desportivo não pode ser – não mais – confundido com o tiro defensivo, nem por quem redige os regulamentos, nem por quem os julga, nem por quem sabidamente procura os clubes para se valer das vantagens porém com subterfúgios não desportivos; erguer o arcabouço histórico das leis, decretos, portarias e provimentos que regem a matéria, tão somente para enxuga-las e, onde possível, evoluí-las.

Assim procedendo, verão que o problema não é o número de CACs atirando pelas ruas e ferindo pessoas, mas sim a frouxidão da lei penal e processual penal brasileira que incentiva comportamentos antissociais. Não são “CACs”, mas bandidos que de alguma forma acessaram o registro junto ao Exército ou burlaram a análise psicológica, lembrando que a natureza criminosa não se evita prevenindo comportamentos, mas sim punindo como forma de desestimular outros. De igual forma, se depararão com uma verdade indiscutível ao notar que o direito de transportar em pronto uso uma arma de porte de seu acervo de tiro desportivo não se confunde com porte de arma no sentido clássico, pois que, apesar de disciplinado em Decreto da atual gestão federal, a ideia já vinha desde governos anteriores, que de igual forma permitiam tal procedimento apenas quando em deslocamento do endereço de guarda (ou seja, a residência do atirador) para o estande de tiros. Só conferir, a título de exemplo, a Portaria 28/2017-Colog. Como disse linhas atrás, vivíamos em paz, fora das vitrines e éramos regulamentados pelo próprio Exército de acordo com a lei em vigor. O problema foi a vitrine, não o produto!

Isso serve também para o que chamam “grosso calibre”. Os calibres 5,56 e 7,62, por exemplo, sempre foram acessíveis ao atirador desportivo, desde FHC, Lula ou Dilma e são utilizados nas provas de fuzil de precisão como a NRA e a modalidade Rifle da IPSC. A quem considere, contudo, que armas que utilizem tais calibres são um risco de trajetória e alcance muito grande e um exagero o seu uso para conter uma agressão. Bem, volte aqui: estamos falando de tiro desportivo, que não pode ser confundido e colocado no mesmo balaio normativo e procedimental que o tiro defensivo! Mas apenas para não perder a chance de entrar um pouco mais nesse tema, para aqueles que discordam de serem tratados como permitidos calibres como o .40 S&W, o .45 ACP ou o 9x19mm e defendem o retorno deles ao rol de restritos, mantendo como permitido apenas os calibres .380 ACP e .38 SPL, lembro que o estudo da balística evoluiu muito desde os tais 407 joules do antigo regulamento do ano 2000. Estudos modernos de balística externa (trajetória de projéteis e fatores externos que influenciam seu desvio e alcance) e terminal explicam hoje o porquê de ser considerado mais seguro o calibre .45 ACP do que o .380 ACP, estando há algum tempo descartada a vileza do stopping power. Não tenho aqui o propósito de adentrar a fundo em temas técnicos, apenas os cito como forma de induzir a uma reflexão e, quem sabe, estimular algum membro encarregado de definir o futuro do tiro desportivo à leitura do livro de João Bosco Silvino Júnior.

Também terão boa notícia ao promover um recadastramento dos clubes de tiro. Sem dúvida verificarão que a atividade da administração do tiro é extremamente regulamentada e fiscalizada, com controle efetivo de seus filiados e relatórios rotineiros enviados ao Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército contendo habitualidade, calendário de eventos, consumo de munição, regularidade cadastral etc., mantendo ainda em seus estandes rígido controle de regras e procedimentos de segurança, a cargo de profissionais habilitados (os Instrutores de Tiro Desportivos, outrora regidos pela Portaria n. 40 do Colog porém, vítimas de toda essa ideologização do tema, tiveram sua atividade suspensa “por acidente” pelo STF quando da liminar na ADI 6675).

Por outro lado, como tudo não pode ser apenas perfume, eventual decisão de um governo futuro no sentido de retroagir o alcance de nova regulamentação com o propósito de recolher armas de fogo adquiridas conforme a lei em vigor da época emperrará em dois problemas: o primeiro, e que mais me importa, diferente do que já afirmado pela coordenação da transição, arma de fogo constitui patrimônio de seu dono, desde que adquirida legalmente e com os registros pertinentes, como um carro; o segundo é que, sob o mesmo estímulo psicológico da autodefesa, ao se verem sob a iminência da constrição de um patrimônio que entendem ser legítimo, algumas pessoas instintivamente buscarão se proteger, ou sob a sombra do judiciário, ou sob o desespero que leva à agressividade, ou, ainda, jungidos do belo instinto jabuticaba do jeitinho, irão encher as delegacias de boletim de ocorrência narrando furto ou perda, lançando inúmeras armas na ilegalidade.

Espero que, cientes de que o inexecutável não pode ser exequível, em nome da boa técnica os argumentos ideológicos ou de bandeira política se subsumam ou ao menos aceitem um contraponto vindo de grupos sérios e que estão nesse meio há décadas, podendo serem encontrados no Exército Brasileiro, nas Confederações de Tiro, nas Federações Estaduais e nos próprios clubes. Não precisamos copiar o passado para corrigir o presente.

Moysés Barjud
Proprietário de Centro de Capacitação com Arma de Fogo, Instrutor de Tiro Desportivo e Atirador

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